Vabysmo™ é o mais novo medicamento aprovado para o tratamento das doenças maculares. Como chegamos até aqui?

Neste mês de janeiro a farmacêutica Genentech, membro do grupo Roche, anunciou a aprovação pela Food and Drug Administration (FDA) do medicamento Vabysmo™ (faricimabe) para o tratamento de duas importantes doenças da mácula: Degeneração Macular Relacionada à Idade (DMRI) na forma úmida e o edema macular diabético (EMD). Devido ao seu mecanismo singular de inibição simultânea de duas vias fisiopatológicas distintas, a angiopoietina-2 (Ang-2) e o fator de crescimento endotelial vascular na sua isoforma A (VEGF-A), o novo medicamento se mostrou eficaz em suprimir o crescimento e proliferação de vasos anômalos no caso da DMRI úmida e o inchaço da retina no caso do EMD.

Antes de nos aprofundarmos nos estudos clínicos e publicações que embasaram a decisão do FDA em relação à aprovação do Vabysmo™, vamos fazer uma recapitulação de como esses medicamentos denominados anti-angiogênicos revolucionaram o tratamento das doenças da retina em meados dos anos 2000.

O advento dos anti-angiogênicos

Durante os anos 80 e 90 o tratamento das doenças vasculares e exsudativas da mácula – DMRI úmida, maculopatia diabética, oclusões venosas – consistia basicamente na fotocoagulação a laser. Este tratamento se baseava na cauterização (destruição térmica) dos vasos anômalos ou da retina isquêmica presentes nas referidas doenças. Contudo, a lesão tecidual adjacente induzida pelo laser limitava os ganhos funcionais (melhora de acuidade visual) da terapia, e impossibilitava o tratamento direto de lesões localizadas muito próximo do centro da mácula. Motivada pela busca de tratamentos mais eficazes, a ciência evoluiu na compreensão da fisiopatogênese dessas doenças e o papel do VEGF foi reconhecido como fundamental no desenvolvimento dos vasos anômalos, mecanismo final comum entre as diversas maculopatias.

Em 2005, Philip Rosenfeld descreveu o primeiro relato do uso de um anti-angiogênico – bevacizumabe (Avastin; Genentech) – no tratamento bem-sucedido da DMRI neovascular, ministrado inicialmente por via sistêmica e, conforme relato subsequente, pela via intravítrea, minimizando seus riscos e efeitos colaterais.1,2 Pela primeira vez, um tratamento proporcionava ganho de visão significativo a pacientes que, até então, não tinham esperança de melhora com os tratamentos vigentes. Com a disseminação do sucesso deste medicamento, rapidamente as farmacêuticas e os cientistas procederam ao aperfeiçoamento da molécula (ranibizumabe – Lucentis; Genentech), descoberta de novas drogas com ação similar ou ligeiramente superior (aflibercepte – Eylia; Bayer) e à expansão de suas indicações terapêuticas.

Atualmente, existe farta comprovação científica com nível 1 de evidência acerca da eficácia e segurança desses medicamentos para DMRI neovascular, retinopatia diabética, oclusões venosas, edemas maculares e membrana neovascular sub-retiniana de diversas etiologias, entre outras doenças da retina. E uma larga experiência clínica também. Mas em Medicina, nada é tão perfeito quanto parece…

O “fardo” do tratamento (treatment burden)

               Vamos exemplificar este ponto considerando os estudos em DMRI úmida, principal causa de baixa visão e cegueira não-evitável nos países desenvolvidos (embora as mesmas observações sejam aplicáveis de certa forma ao DME e oclusão venosa central). Os estudos principais com bevacizumabe, ranibizumabe e aflibercepte, embora bastante variáveis em seus desenhos experimentais, esquemas posológicos e grupos controle, foram bastante consistentes em demonstrar alguns pontos:

               – Os maiores ganhos visuais foram observados naqueles esquemas com maior número de injeções intravítreas, como nos estudos pivotais MARINA e ANCHOR.3,4 Ali, observou-se ganho médio de 6,6 a 10,7 letras em relação ao baseline após dois anos de injeções mensais ininterruptas. 34 a 40% dos pacientes obtiveram melhora de 3 linhas de visão (15 letras). Porém, extrapolados para a vida real, os esquemas de tratamento com injeções contínuas se mostraram pouco práticos, deveras exigentes para os pacientes idosos e principalmente, inviáveis do ponto de vista de custo-efetividade.

               – A redução na frequência das injeções se mostrou uma alternativa viável às incômodas aplicações mensais contínuas, como ilustraram os estudos com aflibercepte VIEW 1 e 2, que demonstraram equivalência terapêutica com doses bimensais de Eylia, ao mesmo tempo diminuindo o número de aplicações (7,5 injeções no 1º ano contra 12,5 de ranibizumabe).5 Outros estudos com ranibizumabe em esquemas flexibilizados ou guiados por critérios de retratamento, como o PrONTO, SUSTAIN e PIER também se mostraram interessantes, mas com perda de eficácia durante a fase de flexibilização.6-8

– Estudos de longo prazo como SEVEN-UP, CATT entre outros confirmaram o declínio visual nos pacientes com DMRI exsudativa ao longo dos anos de tratamento com regimes diversos (guiados por OCT, tratar-e-estender), a partir do ganho visual inicial observado nos primeiros meses.9,10 Neste momento, a comunidade científica começou a debater o cerne da questão: qual seria o equilíbrio ideal entre frequência de injeções necessárias para se alcançar o melhor resultado possível, pelo máximo de tempo possível?

Os novos tratamentos e perspectivas

Diante da problemática apresentada, as próximas metas da indústria se concentrariam na busca por novos medicamentos ou dispositivos de liberação intravítrea com:

a) eficácia superior ou no mínimo não-inferior aos já existentes;

b) manutenção dos ganhos visuais pelo maior número de tempo possível;

c) um menor número de aplicações necessárias para obtenção dos efeitos anteriores.

E assim, em Outubro de 2019 foi anunciada a aprovação pela FDA do brolucizumabe (Vsiqq™ no Brasil, Beovu™ nos EUA e Europa; Novartis) para o tratamento da DMRI úmida, um novo anti-angiogênico com alta afinidade pelas principais isoformas do VEGF-A. Os estudos de fase III pivotais que avaliaram a droga em um total de 1.817 pacientes (HAWK e HARRIER) observaram eficácia não-inferior ao aflibercepte em relação aos ganhos de acuidade visual (+6,6 letras ao final do 1º ano e +6,0 ao final do 2º ano), com algumas vantagens. Os desfechos anatômicos foram superiores com brolucizumabe, ou seja, demonstrou maior poder de “secar” a mácula; e o intervalo entre as injeções na fase de manutenção poderia chegar a 12 semanas, com menos oscilações na espessura macular em relação ao aflibercepte, que traz em bula a recomendação de 2 meses de intervalo entre as aplicações na fase de manutenção.11

Entretanto, cerca de seis meses após a aprovação, começaram a surgir relatos de efeitos adversos potencialmente graves com o uso da nova droga, e a Sociedade Americana de Especialistas de Retina (ASRS) emitiu um alerta à comunidade médica em 23 de Fevereiro 2020. Diversos pacientes apresentaram reações inflamatórias com níveis variados de gravidade, alguns dos quais evoluindo com vasculite retiniana oclusiva e perda visual. Atualmente a empresa reconheceu os riscos associados ao uso do brolucizumabe e atualizou a bula e materiais de divulgação da droga para incluir informações mais detalhadas sobre segurança. Ainda assim, especialistas concluem que o poder de “secar” a retina em pacientes não responsivos às outras drogas, aliado ao intervalo estendido de 12 semanas, configuram potenciais vantagens do novo medicamento.

Voltando ao início do artigo, mais recentemente obtivemos a aprovação do faricimabe (Vabysmo™, Genentech), primeiro anticorpo humanizado com capacidade de inibição simultânea de duas vias patogênicas: angiopoietina-2 (Ang-2) e o VEGF-A. Os estudos TENAYA e LUCERNE avaliaram 1.329 pacientes com DMRI úmida que receberam a medicação em intervalos que podiam chegar a 4 meses após um carregamento de 4 doses mensais, comparados ao grupo controle com aflibercepte na posologia usual de 2 meses de intervalo. Os ganhos visuais foram semelhantes em ambos os grupos: média entre os dois estudos de +6,2 letras com faricimabe versus +5,8 letras com aflibercepte e melhora anatômica equivalente. Não houve relatos de efeitos adversos significativos.12 Em relação ao tratamento do edema macular diabético, aprovado simultaneamente pela agência reguladora americana, os estudos YOSEMITE e RHINE testaram a droga em 1.891 pacientes, novamente utilizando o intervalo máximo de 4 meses entre as doses após a fase de carregamento. Os desfechos anatômicos também foram não-inferiores em relação ao aflibercepte: ganho de +11,1 letras versus +10,9 no primeiro estudo e +11,3 versus +10,3 no segundo estudo, ao final de 1 ano. A melhora anatômica foi superior com faricimabe e não houve questões relacionadas à segurança.13

REFERÊNCIAS

1. Michels S, Rosenfeld PJ, Puliafito CA, Marcus EN, Denkatraman AS. Systemic bevacizumab (Avastin) therapy for neovascular age-related macular degeneration: Twelve week results of uncontrolled open label clinical study. Ophthalmology. 2005;112:1035-1047.

2. Rosenfeld PJ, Moshfeghi AA, Puliafito CA. Optical coherence tomography findings after intravitreal injection of bevacizumab (Avastin) for neovascular age-related macular degeneration. Ophthalmic Surg Lasers Imaging. 2005;36:331-335.

3. Brown DM, Kaiser PK, Michels M, et al. Ranibizumab versus verteporfin for neovascular age-related macular degeneration. N Engl J Med. 2006;355:1432-1444.

4. Rosenfeld PJ, Brown DM, Heier JS, et al. Ranibizumab for neovascular age-related macular degeneration. N Engl J Med. 2006;355:1419-1431

5. Heier JS, Brown DM, Chong V, et al; for the VIEW 1 and VIEW 2 Study Groups. lntravitreal aflibercept (VEGF Trap-Eye) in wet age-related macular degeneration. Ophthalmology. 2012;119(12):2537-2548. doi:10.1016/j.ophtha.2012.09.006

6. Fung AE, Lalwani GA, Rosenfeld PJ, et al. An optical coherence tomography-guided, variable dosing regimen with intravitreal ranibizumab (Lucentis) for neovascular age-related macular degeneration. Am J Ophthalmol. 2007;143:566-583.

7. Holz FG, Amoaku W, Donate J, et al. Safety and efficacy of a flexible dosing regimen of ranibizumab in neovascular age-related macular degeneration: the SUSTAIN study. Ophthalmology. 2011;118:663-671.

8. Regillo CD, Brown DM, Abraham P, et al. Randomized, double-masked, sham-controlled trial of ranibizumab for neovascular age-related macular degeneration: PIER Study year 1. Am J Ophthalmol 2008;145:239-248.

9. Rofagha S, Bhisitkul RB, Boyer DS, Sadda SR, Zhang K; SEVEN-UP Study Group. Seven-year outcomes in ranibizumab-treated patients in ANCHOR, MARINA, and HORIZON: a multicenter cohort study (SEVEN-UP). Ophthalmology. 2013;120:2292-2299.

10. Comparison of Age-related Macular Degeneration Treatments Trials (CATT) Research Group, Maguire MG, Martin DF, Ying GS, et al. Five-year outcomes with anti-vascular endothelial growth factor treatment of neovascular age-related macular degeneration: The Comparison of Age-Related Macular Degeneration Treatments Trials. Ophthalmology. 2016;123:1751-1761.

11. Dugel PU, Singh RP, Koh A, et al. HAWK and HARRIER: Ninety-Six-Week Outcomes from the Phase 3 Trials of Brolucizumab for Neovascular Age-Related Macular Degeneration. Ophthalmology. 2021 Jan;128(1):89-99.

12. Heier JS, Khanani AM, Quezada Ruiz C, et al; TENAYA and LUCERNE Investigators. Efficacy, durability, and safety of intravitreal faricimab up to every 16 weeks for neovascular age-related macular degeneration (TENAYA and LUCERNE): two randomised, double-masked, phase 3, non-inferiority trials. Lancet. 2022 Jan 21:S0140-6736(22)00010-1.

13. Wykoff CC, Abreu F, Adamis AP, et al; YOSEMITE and RHINE Investigators. Efficacy, durability, and safety of intravitreal faricimab with extended dosing up to every 16 weeks in patients with diabetic macular oedema (YOSEMITE and RHINE): two randomised, double-masked, phase 3 trials. Lancet. 2022 Jan 21:S0140-6736(22)00018-6.

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